Verdadeiro arrependimento

A vergonha e o tormento que sentimos ante os nossos pecados NÃO SÃO o verdadeiro arrependimento. São uma mixórdia de emoções toscas que BLOQUEIAM o arrependimento. O arrependimento verdadeiro é de ordem espiritual, e não há nenhuma maneira de um sujeito se colocar na Presença de Deus levando toda essa carga de sensações psicofísicas confusas e atordoantes. Rezo com insistência pedindo o verdadeiro arrependimento, e creio que o único progresso que fiz nessa direção foi entender que eu não sabia o que era. A melhor maneira de um sujeito não saber algo é imaginar que já sabe, sem nunca sequer ter perguntado a respeito.

A imaginação

A imaginação tem que ser treinada para ela se tornar um instrumento de compreensão da Realidade e não uma atividade ociosa que vai fazer você ficar especulando sobre coisas que não vão acontecer jamais, que não têm a menor possibilidade e que são somente um jogo. A Grande Literatura do mundo contém um material que, para o estudante de Filosofia, é absolutamente precioso. A Literatura é uma maneira de você amadurecer na sua visão da Realidade. Claro que, pelos processos atuais de ensino da Literatura nas universidades, a experiência imaginativa pode se tornar totalmente impossível. Impossível. Porque, vamos dizer, quando você lê Dostoievski, Tolstoi, Shakespeare, você está tendo acesso ao que essas grandes mentalidades conceberam sobre as possibilidades da vida humana. Agora, se você começa a encarar aquilo apenas como estrutura textual, começa a encarar aquilo sob o ponto de vista estruturalista ou desconstrucionista etc., o elemento de experiência sumiu. Então aquilo não é mais um espelho da vida.

Vida intelectual

Nunca, como hoje, a vida intelectual impôs, àqueles que a praticam, a necessidade de uma ascese, de uma austeridade material e moral. Porque é pelas nossas esperanças terrenas, por mais justas que sejam em si mesmas, que o mundo de simulacros adquire, sobre nós, credibilidade e poder. Para escapar à sua sedução, às vezes é melhor renunciar mesmo a coisas que seriam de nosso legítimo direito, mas cujo desejo, em tais condições, arriscaria colocar-nos à mercê de nosso pior inimigo. Não que o homem de espírito nada possa ter sobre a Terra, não que ele não possa agir, e agir com poder e eficiência, muito maior mesmo, em seu aparente isolamento e fragilidade, que a dos escravos do poder mundano. Ao contrário, podemos ter e podemos agir. Só o que não podemos é nada esperar do mundo. A verdade só serve a quem é seu escravo, e ela se esquiva àquele que é escravo do mundo. A vida intelectual pode nos dar, além dos benefícios interiores, também, ocasionalmente, algum benefício exterior: profissional e social. Mas isto, se pode ser recebido, não deve ser pedido nem muito menos exigido. O homem deve dedicar-se à vida intelectual porque fazê-lo é ser homem, porque o dever de fazê-lo está inscrito no mais íntimo da sua natureza, e não porque tal ou qual carreira lhe garanta, na sociedade, tais ou quais benefícios. Estes devem ser encarados, apenas, como acréscimo ocasional. É necessário ser grato por tudo, mas é necessário desejar e pedir, antes de tudo, o essencial.

Primarismo mental brasileiro

O sinal mais patente do primarismo mental brasileiro é a confusão de categorias, da qual resulta que todos os julgamentos acabam ficando fora de foco, isto quando não estão completamente errados ou não têm nenhum sentido. Por exemplo, a crença pueril – um automatismo mental quase infalível hoje em dia – de que, diante de uma afirmação qualquer, lida ou ouvida, você sempre pode e sobretudo deve “concordar” ou “discordar”.

Pessoas com alguma educação superior (coisa praticamente inexistente no Brasil) sabem que, em geral, concordar ou discordar não têm a mais mínima importância. Compreender, analisar, aprofundar, comparar, atenuar, ampliar, contextualizar – estas são as reações básicas do leitor culto. O idiota, ao contrário, imagina que tudo o que se escreve no mundo existe só para que ele o julgue, aplauda ou condene — atividades às quais ele se entrega com uma presteza e uma volúpia incomparáveis.

Esquerdista dos nossos dias

Embora a coisa mais evidente do mundo seja que hoje a autodenominada esquerda é o instrumento principal a serviço da ordem globalista, a auto-imagem de cada esquerdista ainda se define pelos antigos sentimentos de rebeldia e independência que se associaram à idéia de “revolução”. Isso faz com que seja quase impossível, a um esquerdista dos nossos dias, saber onde está e o que está fazendo. Em conseqüência, cada vez que ele vê um cidadão defendendo os interesses nacionais contra os dominadores globalistas, coisa que a própria esquerda fazia umas décadas atrás, ele já enxerga por trás disso o “ódio a gays, negros e mulheres” (os quais não tinham entrado na história de maneira alguma), e se enche de horror.

A politização geral da vida humana

A politização geral da vida humana reduziu a atividade das consciências à mais elementar e mecânica das operações: a catalogação partidária. Já não há mais seres humanos de carne e osso, apenas eleitores, cuja única substância ontológica é o nome do candidato em que votam. O “cidadão” já era um ente abstrato, o “eleitor” é um segundo recorte abstrativo feito em cima do primeiro. Tão logo você nota que o sujeito é “de direita”ou “de esquerda”, está alcançado o único e supremo objetivo da inteligência humana.

O objetivo primeiro da educação superior

No plano intelectual, o estudante deve esforçar-se para obter a mais alta qualificação possível, adotando como modelos da sua auto-educação as práticas melhores registradas historicamente: as da Academia platônica, do Liceu aristotélico, da universidade européia no século XIII (com seus ecos residuais na filosofia cristã moderna, por exemplo La Vie Intellectuelle de A. D. Sertillanges e Conseils sur la Vie Intellectuelle de Jean Guitton), da intelectualidade superior alemã no século XIX e austríaca no começo do século XX (tal como descrita, por exemplo, nos depoimentos de Eric Voegelin, Otto Maria Carpeaux e Marjorie Perloff) e, last not least, da tradição americana de liberal education (v., além do clássico How to Read a Book de Mortimer J. Adler, The Trivium, de Sister Miriam Joseph, Another Sort of Learning, de James V. Schall, e The House of Intellect, de Jacques Barzun).

O objetivo primeiro da educação superior é negativo e dissolvente: consiste em “desaculturar”, no sentido antropológico do termo: desfazer os laços que prendem o estudante à sua cultura de origem, às noções consagradas do “nosso tempo”, à ilusão corrente da superioridade do atual, e fazer dele um habitante de todos os tempos, de todas as culturas e civilizações. Não se pode chegar a nada sem um período de confusão e relativismo devido à ampliação ilimitada dos horizontes. Não basta saber o que pensaram Abraão e Moisés, Confúcio e Lao-Tseu, Péricles e Sócrates, ou os monges da Era Patrística: é preciso um esforço para perceber o que eles perceberam, imaginar o que eles imaginaram, sentir o que eles sentiram. Não se preocupe em arbitrar, julgar e concluir. Em todas as idéias que resistiram ao tempo o bastante para chegar até nós há um fundo de verdade. Apegue-se a esse fundo e faça sua coleção de verdades, não se impressionando muito com as contradições aparentes ou reais. Aprenda a desejar e amar a verdade como quer que ela se apresente. Acostume-se a conviver com as contradições, já que você não terá tempo, nesta vida, para resolver senão um número insignificante delas.

A religião

A religião não é uma doutrina para ser “acreditada” ou uma tábua de mandamentos morais exteriores como um código civil. Ela é um conjunto de acontecimentos de ordem histórico-espiritual cuja notícia nos chega pelas escrituras sagradas e pela tradição. Esses acontecimentos podem, em parte, ser confirmados historicamente, mas não podem ser historicamente compreendidos, pois prosseguem até hoje e seu sentido só se elucida nesse prosseguimento, na medida em que você toma ciência de que eles o envolvem pessoalmente. Você pode participar deles através dos ritos, da prece, da fé e sobretudo dos milagres. A fé não significa adesão a uma doutrina, mas confiança numa Pessoa em cuja humanidade transparece, de maneira ao mesmo tempo auto-evidente e misteriosa, a presença do transcendente e do infinito. Milagres acontecem o tempo todo, mas a maioria das pessoas é estúpida, distraída ou fechada demais para percebê-los.