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Boicotado pela esquerda, diretor Roberto Alvim desabafa: “Minha carreira praticamente acabou”
- Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo
- [11/06/2019] [15:27]
O diretor de teatro Roberto Alvim atendeu a reportagem da Gazeta do Povo na sexta-feira (7), por telefone, de dentro de seu teatro, a Companhia Club Noir, que ele e esposa, a atriz Juliana Galdino, mantêm há 12 anos na rua Augusta, em São Paulo. Logo no início da conversa, informou: “Estou aqui no meio dos escombros do teatro, porque a gente está fazendo a mudança, tirando equipamentos de luz, som, cadeiras, tudo. Estou fechando meu teatro no dia 25. Hoje, a minha carreira praticamente acabou por conta do meu apoio ao presidente Jair Bolsonaro e por conta da minha admiração declarada ao professor Olavo de Carvalho”.
Nascido no Rio de Janeiro, Alvim tem 45 anos e dirige peças de teatro desde os 18. Conduziu algumas das montagens mais premiadas na história recente do Brasil, como Homem sem Rumo, Fedra e Leite Derramado, esta baseada no romance homônimo de Chico Buarque, de quem era amigo pessoal. Entre 2009 e 2015, coordenou o Núcleo de Dramaturgia do Sesi em Curitiba. “Dei aulas em Curitiba durante sete anos. Foi muito bom, porque formou uma geração inteira de dramaturgos e diretores que estão produzindo direto agora”, ele diz.
Alvim vivia das oficinas de atuação que realizada no Club Noir, quatro ao ano, sempre com cerca de 15 alunos, e também chegou a dirigir 16 peças por ano, incluindo textos de Shakespeare, Ibsen, Jean Genet, Samuel Beckett e Harold Pinter. Tudo isso acabou depois que ele declarou apoio ao candidato à presidência Jair Bolsonaro.
Na entrevista, Roberto Alvim explica que era de esquerda, ainda que não convicto, até ficar à beira da morte, há dois anos. Desde então, sua vida mudou completamente. Todos os seus amigos o abandonaram e as ameaças se acumularam. No momento em que nenhum aluno apareceu para suas oficinas e o Sesc informou por e-mail que uma peça pronta para estrear seria cancelada, Alvim percebeu que não tinha mais espaço no teatro nacional.
A doença
“Eu tive uma conversão bem radical de dois anos para cá. Tive um problema de saúde muito sério, descobri um tumor no intestino. Até fazer a biópsia, eu me considerava condenado à morte. Esse tumor na verdade era benigno, mas estava causando uma série de problemas, e eu estava muito mal. Tenho 1,90 m de altura e estava pesando 75 quilos. Tinha febre permanentemente. Até que um dia, chegando em casa depois de uma noite no hospital, a babá do meu filho, que era evangélica, pediu para fazer uma oração. Falei para ela sair do meu quarto. Como todo intelectual, eu era ateu convicto. Mas a minha mulher falou, ‘deixa ela fazer a oração, mal não fará’. E ela colocou a mão na minha cabeça e começou a orar. E eu senti uma energia, uma luz. Eu levantei da cama, no dia seguinte fui para o hospital, o tumor tinha praticamente desaparecido. Foi um milagre”.
A conversão religiosa
“Foi então que eu vi que existiam coisas que eu não conhecia. Comecei a frequentar a igreja católica diariamente, indo a duas missas por dia. Tive uma série de epifanias, de iluminações. Me tornei cristão convicto, na minha vida hoje há a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo, diretamente. Comecei a fazer cursos de teologia com o padre Paulo Ricardo. E mergulhei de cabeça nos escritos do professor Olavo de Carvalho”.
Olavo de Carvalho
“Olavo é o maior filósofo brasileiro vivo e um dos maiores escritores também. Antes eu já lia textos dele, mas para debochar. Pegava um trecho de um texto, de um vídeo, e chamava as pessoas para ver e rir daquilo. Depois da doença, finalmente estava preparado para ler o Olavo direito. E então uma série de filtros começou a cair. Foi uma leitura muito traumática para mim, porque uma série de ídolos meus foram desabando na minha frente. O José Celso Martinez Corrêa, que é um cara com quem eu tinha me encontrado várias vezes, sempre teci loas a ele, sempre o reverenciei profundamente. E é um cara que hoje, para mim, é uma espécie de câncer, uma síntese do pior do que acontece no teatro nacional. O Caetano Veloso, uma pessoa por quem eu tinha uma admiração profunda, e hoje em dia me parece um canalha abissal, um imbecil completo, um idiota absoluto, alguém que está fazendo um mal muito grande para a cultura brasileira já há algum tempo. Passei pelos processos de recusa, negociação e finalmente aceitação da verdade acerca dessas pessoas. Com isso eu perdi amigos, e perdi ídolos também. Foi um processo doloroso”.
Recuo inicial
“Demorei muito para sair do armário como o conservador que eu tinha me tornado. Quando houve a facada no candidato Bolsonaro, eu fiquei tão chocado que me pronunciei publicamente em redes sociais. Foi na véspera da estreia do Drácula, uma peça com Cacá Carvalho, no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui em São Paulo. E a peça estreou no dia seguinte sem o Cacá Carvalho falar comigo. Era um monólogo, e meu ator não falava mais comigo. O pessoal da classe teatral, meus amigos de décadas, deram as costas para mim no foyer do teatro. Eu estendi a mão para uma pessoa célebre aqui em São Paulo e ela virou a cara diante da minha mão estendida. Eu passava e as pessoas falavam: ‘fascista!’. Tive muito medo de ter destruído a minha carreira. E voltei atrás. Apaguei uma série de postagens que já tinha feito, disse que eu tinha me solidarizado com o candidato como me solidarizaria com qualquer outro que tivesse sido vítima de violência por motivação ideológica. Tenho vergonha disso, de ter me acovardado, mas tive medo porque comecei a sentir que a barra ficou muito pesada da noite para o dia”.
Posicionamento definitivo
“Depois da eleição do presidente, eu não aguentei mais. O meu medo de estar destruindo a minha carreira foi menor do que a consciência da verdade. Então eu saí do armário de vez em dezembro. De lá para cá, eu, a minha mulher e a minha companhia temos sofrido agressões. A minha mulher foi chamada de racista. As pessoas organizaram uma invasão a uma apresentação de uma montagem minha de Fedra, do Racine, no CCBB de Belo Horizonte. Eles organizaram uma invasão do teatro. A partir daí, a gente teve que fazer todas as sessões com presença da polícia. No Rio de Janeiro, pessoas que foram meus alunos publicaram posts dizendo que, se eu tentar entrar na cidade com algum espetáculo, eu não saio vivo de lá”.
Reação dos colegas
“Antes de eu ficar doente, dois dos meus melhores amigos eram o Chico Buarque e o Vladimir Safatle, um dos maiores filósofos da esquerda radical aqui em São Paulo. Hoje não tenho mais os direitos da minha adaptação do texto Leite Derramado. Uma série de atores de São Paulo escreveu que se envergonhava de ter trabalhado comigo. Pessoas que iriam trabalhar em espetáculos comigo desistiram. E agora, o Sesc cancelou, por e-mail, de forma sumária, um espetáculo que estava sendo negociado desde o ano passado. Faltava uma semana para os ensaios começarem. E agora ninguém atende mais meus telefonemas no Sesc. Todos os meus projetos foram cancelados. Trabalhei com milhares de atores de teatro, e muitas celebridades também. E hoje é impossível que algum ator da rede Globo atenda meu telefonema. As pessoas me bloquearam, em redes sociais e no WhatsApp. Quando eu puxo o contato da pessoa, ela não existe mais na minha lista”.
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